terça-feira, 20 de maio de 2008

VISÃO HISTÓRICA DA CAPOEIRA RONDONOPOLITANA

UMA VISÃO HISTÓRICA DA CAPOEIRA RONDONOPOLITANA

História

Luiz Carlos Varella de Oliveira

Especialista em Planejamento Educacional.



INTRODUÇÃO:


Os seres humanos nascem livres, iguais e originais, mas quando deixam de exercer tais prerrogativas no plano social, tornam-se cópias de um sistema em transformação e, essa mutação limita o homem culturalmente. Esse desenvolvimento não terá representação e representantes vigorosos na transmissão de informações úteis aos componentes de um determinado segmento social. Por isso é preferível o homem livre e criativo que ampliará a si e a comunidade.


A Cultura, enquanto produção histórica em sociedade aparece como um arsenal complexo no qual, estão incluídos os conhecimentos, crenças, artes, moral, costumes e quaisquer aptidões ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. O ambiente e o modo de viver de um grupo de seres humanos, ocupando um território comum criaram o social e o cultural na forma de idéias, instituições, linguagem, instrumentos, serviços e sentimentos que darão complementação à sobrevivência física e coletiva.


O estudo dos aspectos culturais de uma etnia e como eles foram implantados no meio social, no caso, os afro-brasileiros que trouxeram a capoeira para Rondonópolis, possivelmente revelarão o modo, também como determinada realidade social foi construída, pensada e lida por esses atores. Dessa maneira, cultura é tudo aquilo produzido pelo trabalho humano, também no nível de nossa história local, depois de um processo migratório.


A cultura é o dispositivo que move o indivíduo e o grupo para longe da indiferença, da indistinção transformando-se e transformando-o podendo então atingir a diferenciação. Ela depende da história de um povo. Especificamente no caso da
Capoeira Rondonopolitana, as contribuições de início estão vinculadas às situações pelas quais passaram e viveram seus implantadores. E depois a mesma ganhou novos contornos, novas mudanças, pois engendrou e se incorporou nos processos locais.


O estudo da capoeira em Rondonópolis no período de 1950 a 2000 destacará o movimento, ainda que incipiente desta arte/luta/dança, genuinamente afro-brasileira, também como prática desportiva e de inclusão social.



2- Sobre Capoeira:



A construção cultural de qualquer atividade do contexto social na atualidade exigiu uma demanda pretérita, motivada para solucionar uma situação-problema imediata que atenda a vontade de uma coletividade ou apenas um sujeito. Dessa maneira, procuraremos, apoiado por nossos colaboradores diretos e indiretos, apresentar uma argumentação satisfatória, explicando as tendências e a importância da presença da Capoeira; essa arte/luta/dança, genuinamente brasileira, em Rondonópolis.



O caminho que iremos trilhar terá origem em África, pois a matéria-prima onde ela desabrochou e cresceu foi na etnia negra; que a desenvolveu como forma de defesa e sustentáculo para a liberdade, quando escravizados no Brasil.



O nome Capoeira já consumiu vários e acalorados debates. Vamos citar algumas concepções de estudiosos da temática. Na fala de Francisco Pereira da Silva, esse jogo de destreza corporal se constituía na arma com a qual os escravizados fugidos utilizavam contra seus perseguidores naturais: os escravocratas, nesta especificidade representado pelo capitão-do-mato.



A luta geralmente era travada no mato, onde os negros estavam escondidos. Que tipo de mato era esse? A capoeira. ( vernacularização do tupi-guarani CAÀ-PUÊRA: Caá = mato, Puêra = que se foi). Assim, tem-se por melhor definição aquela que vem do dialeto caipira de Amadeu Amara. CAPUÊRA, substantivo feminino, mato que cresceu em lugar de outro derrubado ou queimado.



Dessa maneira, capoeira (forma culta de capuêra, mato), local das primeiras contendas dos escravizados rebeldes teria sido, o termo adotado para denominar a luta física Nacional: a Capoeira.



A palavra tem várias acepções e por uma dela se designa um tipo de cesto ou gaiola de uso na guarda e transporte de galináceos. Os escravizados conduziam capoeiras de galinhas ao mercado, e enquanto as portas não eram abertas, os negros exercitavam o corpo no “brinquedo” que com o passar do tempo e transformação tornar-se-ia famoso.



Esse episódios ocorriam no estado de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. O filólogo Antenor Nascentes é de opinião que, por efeito metamínico, o nome de tal gaiola passou a designar também um jogo atlético e o indivíduo que o pratica. Assim o lutador seria capoeirista; a luta, o jogo de agilidade, a Capoeira; o ato de joga-la, capoeiragem.



A obra, A Capoeira Escrava de Carlos Eugênio Líbano Soares, na página 63, faz referência ao que foi descrito sobre a Capoeira até o presente momento neste artigo.



Os dois estudiosos da temática apresentam argumentação idêntica sobre a “capoeira”. Nós procuraremos vê-la e estudá-la como uma arte/luta/dança utilizada pelos escravizados no combate a opressão e aos castigos corporais; bem como, através dela, a inclusão social.


A origem da Capoeira, segundo Luiz Câmara Cascudo, tem derivação de um cerimonial africano, a Efundula. Ela é uma festa realizada ao Sul de Angola, para comemorar a chegada da puberdade das moçoilas (passagem da segunda infância para a adolescência), quando deixam de ser meninas e passam à condição de mulheres tornando-se aptas para o casamento e a procriação.


O período desse festival “Efundula”, apresenta três etapas:


Livete: inicia-se com os dois adversários em pé e o embate é realizado com a mão aberta, onde é mostrado e demonstrado a destreza no ataque e a prontidão defensiva. Os menos aptos nessa fase são desclassificados. Logo, não participarão das próximas etapas.


C’hankula: nessa fase do festival os anciões descrevem o comportamento de seus favoritos. Cada um deles aponta aquele que poderá ser o vencedor. Para isso, descrevem com os braços as maneiras que seus simpatizados se comportam durante o jogo. É uma espécie de adivinhar o vendedor.


N’golo: é a fase final do festival. Ela é intensa e típica da batalha. Nela agora podem ser utilizadas pernas, pés e mãos. Sendo uma demonstração de habilidade e destreza pessoal. Aquele lutador que conseguir, de alguma maneira colocar o adversário no chão, será declarado vencedor. Ele então, poderá escolher ali entre as moças presentes, aquela que será sua mulher. O seu prêmio pela vitória é a dispensa do pagamento do dote para ter a sua companheira.


O Mestre Nestor Capoeira em seu trabalho Capoeira – Pequeno Manual do Jogador, cita Waldeloir Rego, e sua obra “Capoeira Angola”. Rego “nos alerta contra essa “estranha tese”. “Deveria ser encarada com reservas até que fosse devidamente comprovada”. O que nunca aconteceu”.


A história da Capoeira sempre despertou interesse e curiosidade aos seus pesquisadores. Tanto isso é verdadeiro que no ano de 1966, o professor Inezil Penna Marinho esteve em Angola pesquisando uma possível origem dela. Após assistir várias festas religiosas e danças guerreiras, chegou a conclusão ser inteiramente desconhecida, quer entre os eruditos, quer entre os nativos.


Este colóquio pode ser esclarecido desta maneira. A situação dos negros escravizados aqui (Brasil) e no seu país de origem (Angola), era muito diferente. Em África eram livres, aqui cativos. Podemos acreditar, em função das informações que temos: a Capoeira, como a concebemos, teve suas raízes formadoras no Brasil, mas gestação no continente africano.


Uma informação para nossa reflexão sobre a origem da Capoeira vem das práticas religiosas a que os africanos se entregavam. As danças litúrgicas, ao som dos instrumentos de percussão, desempenhavam papel de grande relevância. Pois o ritmo “bárbaro” exacerbava-lhes a gesticulação, exagerava os saltos, exercitava-os na ginga do corpo, dotando-os de extraordinária mobilidade, excepcional destreza, surpreendente velocidade de movimentos. Foram a esse rituais religiosos, que alguns pesquisadores atribuem o surgimento da capoeiragem.



Outra fonte nos chega com Charles Ribeyrolles, um francês que aproveitou o tempo vivido no Brasil para retratar os costumes do lugar. Assim ele descreveu: “no sábado a noite, concluída a última tarefa da semana e nos dias santificados, que trazem folga, descanso e cerão concedem-se aos escravizados uma ou duas horas para a dança. Reúnem-se no terreiro da senzala, chamam-se, agrupam-se, incitam-se e a festa principia. Espécie de dança ao redor da fogueira, de evoluções atrevidas e combativas ao som do tambor do congo”.


O fato relevante que necessita ser relatado é a forma pelo qual os negros eram capturados e para onde eram levados. Convém mencionar que a África, antes da chegada dos portugueses, não possuía uma divisão política. Tinha sim uma divisão em função da cultura dos povos que ali habitavam.


Os negros capturados eram conduzidos aos portos de “embarque” e ali permaneciam por vários dias e até meses, para embarcarem nos navios negreiros. O contato com culturas africanas diversificadas já ocorria em África. Ao chegarem na América, somando-se ao tempo de viagem África/Brasil, a espera para completar a “carga”, contatos culturais eram realizados, forçados ou não. Acreditamos que essa fusão cultural, ainda no continente africano veio também contribuir para o desenvolvimento da Capoeira no Brasil.


3- Sobre a travessia e a chegada no Brasil:


O negro foi retirado à força do seu mundo, a fim de produzir riqueza para o senhor. Nesse encontro, onde o outro é o elemento que rouba a libido, ocorre a desvitalização da personalidade. Aqui, o arquétipo da “Mãe África”, rege o desejo de fusão e indiferenciação da consciência. Nesse estágio o negro encontra-se imobilizado e, será o sofrimento que despertará a necessidade do sacrifício, de abrir mão da simbiose em que ele se encontrava acorrentado.


Os negros foram trazidos para um mundo desconhecido, separados de sua terra, família, costumes, e agrupados em etnias diferentes. Essa separação sugere a idéia de divisão. O todo se fragmentou, e junto com ele vivenciam a angústia e o sofrimento. Da situação problemática emanada dessas especificidades decorre o nascimento da consciência, o que permitiu o reconhecimento do seu oposto, o inconsciente, e todo o conjunto começa a se relacionar com o seu eu, em sua tentativa de retornar a unidade original.


A situação emanada dessas convergências e divergências entre as etnias africanas, vítimas desse processo de deslocamento, de um continente para outro, assume proporções complexas, onde o principal objetivo, não importando a tendência cultural, era ter a liberdade. Nessa particularidade notamos a eficácia e inteligência do negro. Além de ter que comunicar-se com sujeitos do seu próprio continente, com línguas diferenciadas, era obrigado a compreender e agir sob o comando do opressor, em outro idioma. Em função dessa dupla ação por ele realizada, era natural que fosse convencionar alguns gestos corporais que abrigassem várias informações para ações no presente, a serem utilizadas no futuro.



Um gesto muito utilizado, pelo menos para combinar fugas, era aquele que se imitava chutar uma bola invisível. Quanto ao tempo que iria ocorrer essa ação, dependeria de uma comunicação mais específica para serem planejados os detalhes da fuga.



A “carga” de seres humanos, depois de apresados e levados para os portos de embarque, São Paulo de Luanda e Benguela, estava lançada sua sorte. Eram transportados acorrentados, com alimentação sem qualidade e nenhuma higiene nos porões dos navios negreiros. Nessa especificidade de como o negro era tratado, a crueldade começava na captura.


Para escravizar alguém é difícil. Para ter um africano com escravo, era necessário suprimir-lhe a cultura, transformando-o em bicho ou coisa. Retiravam seu nome tribal e dava-lhe outro em português.


A sua religião ancestral era trocada pela a de Cristo. Como isso não bastasse, os brancos escravistas completavam o serviço com a pancadaria, a chibata, o açoite. A pauleira começava desde o momento que o negro era capturado ou comprados dos sobás.


Os escravizados negros apanhavam durante a longa viagem, aproximadamente 90 (noventa) dias, da África até chegar ao litoral do Brasil. Batiam-lhes no depósito mantido pelos agentes, (pombeiros como eram chamados); recebiam surras no convés do navio, durante a travessia do atlântico. Sofria castigos corporais no mercado, a espera dos fazendeiros compradores. Continuavam com esse sofrimento durante toda sua existência como cativo.

"Não lhe batiam por maldade, embora isso ocorresse. A finalidade era esvaziá-lo da parte propriamente humana que todos os homens possuem e, são homens propriamente porque a possuem. Assim coisificado, o negro africano estava pronto para ser escravo.”



4- Sobre os negros no Brasil:


Os escravos negros começaram a ser desembarcados no Brasil por volta de 1548 e, nos três séculos seguintes, seriam predominantemente do tronco linguístico banto, do qual faz parte a língua quimbundo. Esse grupo engloba angolas, benguelas, moçambiques, cabindas e congos. Eram povos de pequenos reinos, com razoável domínio de técnicas agrícolas; possuíam uma visão muito plástica e imaginosa da vida, e demonstravam ter grande capacidade de adaptação cultural.



Não há indicações seguras de que a capoeira se tenha desenvolvido em qualquer outra parte do planeta além do Brasil. “A tendência dos historiadores e africanistas, tomando como base poucos e raros documentos conhecidos, é se fixarem como sendo de Angola os primeiros negros aqui chegados, tendo a grande maioria de nossos escravos escoado do porto de São Paulo de Luanda e Benguela. Ao lado disso, a gente do povo e sobretudo os Capoeiras falam todo o tempo em Capoeira Angola, especialmente quando querem distingui-la da Capoeira Regional. Ora, tudo isso seria um pressuposto para se dizer que a Capoeira veio de Angola, trazida pelo negros desse país. Mas, mesmo que se tivesse notícia concreta da existência de tal folguedo por aquelas bandas, ainda não seria argumento suficiente. Está documentado e sabido por todos que os africanos uma vez livres e os que retornaram às sua pátrias levaram muita coisa do Brasil, coisas não só inventadas por eles aqui, como assimiladas do índio e do português. Portanto, não se pode ser dogmático na gênese das coisas em que é constatada a presença africana; pelo contrário, devemos andar com bastante cautela nessas particularidades”



5- Sobre o Quilombo dos Palmares:



Numa noite qualquer do ano de 1597, quarenta escravos fugiram e um engenho do Sul de Pernambuco. Fato Corriqueiro. Escravos fugiam o tempo todo de todos os engenhos. O número era que parecia excessivo: quarenta de uma só vez. Fora também insólito o que fizeram antes de optar pela fuga coletiva: armados de foices, chuços e cacetes haviam massacrado a população livre da fazenda. Já não poderiam se esconder nos matos e brenhas da vizinhança. Seriam caçados furiosamente até que, um por um, tivessem o destino dos amos e feitores que haviam justiçado.



Pela manhã, certamente, a notícia correria pela Zona da Mata, essa formidável galeria verde que, salpicada de canaviais, a uns dez quilômetros do mar, o acompanha até perdê-lo de vista. Tinham a liberdade e uma noite para agir.



Havia umas poucas mulheres, um que outro velho e diversas crianças, mas o grosso eram negros fortes, canelas finas e magníficos dentes. Escolheram caminhar na direção do sol poente, um pouco para baixo. Com duas horas compreenderam que jamais qualquer um deles havia ido tão longe naquela terra. Mesmo os criolos, nascidos aqui, desconheciam o pio daquelas aves, nunca tinham vistos aqueles cipós. Andaram toda a noite e na manhã seguinte; descansaram quando o sol chegava a pino; contornaram brejos e grotões, subiram penhascos e caminharam, um a um, na beirada de feios precipícios.


Mais uma noite passou. Eram observados, mas não tinham qualquer medo dos índios. Então, na vigésima manhã sentiram-se seguros. De onde estavam podiam ver perfeitamente quem viesse de todas as direções; com boa vista se podia mesmo vislumbrar o mar, além das lagoas. A terra, vermelho-escura, esboroava ao aperto da mão. Ouviam águas correndo sobre pedras. E havia palmeiras. Muitas palmeiras. Por que fugiam? A fuga era a única maneira de recuperarem a sua humanidade. Assim, nos descreve Joel Rufino dos Santos, o episódio que teria dado a origem do Quilombo dos Palmares.


6- Sobre as fugas:


Adentramos no século XVII e ocorrem os primeiros movimentos escravos de fuga e de rebeldia. Citam-se, ainda sem muito rigor, relatos sobre a campanha contra o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, ao Sul de Pernambuco, no atual Estado de Alagoas, em que se fazia referência ao modo muito peculiar de lutar dos negros aquilombados, nos confrontos corpo-a-corpo com os invasores brancos.


No topo da majestosa Serra da Barriga, eram já três aldeias muito bem organizadas. Seus moradores a chamavam de Angola Janga, que no idioma quimbundo significa “Angola Pequena.”


Durante as invasões e o domínio holandês, os escravos e negros em geral tiveram ativa participação nas lutas restauradoras. O seu comportamento não foi uniforme. Aqueles que assumiram uma posição radical negaram-se a participar dessas lutas. Fugiram para as matas, aproveitando as contradições reinantes, e organizaram quilombos, dos quais os mais importantes se confederaram e criaram a República de Palmares. Mas outra parcela de negros, escravos ou livres, aderiu ao movimento contra a permanência dos holandeses no Brasil. Nesse nível de consciência, o maior líder foi, incontestavelmente, Henrique Dias. Ele liderou negros de diversas origens, muitos deles pertencentes aos latifundiários escravistas, os quais se opunham, por interesse econômico, ao domínio batavo na colônia portuguesa.


Já na primeira invasão holandesa, ocorrida em Salvador, em 1624, os negros se comportaram bravamente diante do invasor. No início, os holandeses que ocuparam a cidade também organizaram militarmente os negros que decidiram ficar a seu lado. Segundo depoimento de Johann Gregor Aldengurgk, foram alguns destinados a trabalhar, e outros, armados de arcos, flechas, velhas espadas espanholas, rodelas, piques e sabres de abordagem, se organizaram numa companhia de negros, para capitão do qual foi escolhido um deles próprios, chamado Francisco.


A essa tática dos holandeses, recrutando negros evadidos, revidaram os portugueses com a máxima crueldade. Estes organizaram, por seu turno, os escravos de Salvador que não fugiram, para desempenharem funções militares na cidade sitiada.



Nessa primeira invasão holandesa de Salvador (1624/1625), o negro participou das escaramuças quer de um lado, quer do outro, mas não teve um projeto de emancipação próprio.



Na segunda invasão realizada no Recife, os negros também atuaram, dessa vez mais prolongada e dinamicamente. Henrique Dias, conforme já dissemos, colocou-se ao lado dos latifundiários de Pernambuco e do governo colonial português. Foi um guerreiro eficiente. Lutou nas batalhas das Tabocas, feriu-se várias vezes e conquistou títulos honoríficos do rei de Portugal. Por outro lado, Calabar deu inúmeras vitórias aos holandeses, também demonstrou um alto espírito militar e grande capacidade de comando, tendo, em determinada fase da luta, feito virar os êxitos militares em favor dos batavos.


No entanto, Henrique Dias, após a expulsão dos holandeses, queixar-se-ia ao rei pela forma desrespeitosa e humilhante como ele e seus homens estavam sendo tratados pelas autoridades locais. Calabar, ao ser capturado pelos portugueses e brasileiros, é julgado e condenado à morte, não tendo os batavos feito nenhum esforço para livrá-lo do garrote vil.


Somente os negros de Palmares, que escolheram a via independente de luta, conseguiram auto-afirmar-se até 1695.


Com a expulsão definitiva dos holandeses, o “grande inimigo externo”, todas as forças da sociedade colonial brasileira voltaram-se contra a temível “inimigo de portas adentro”, o negros do Quilombo dos Palmares. A partir de então, quase não houve um ano em que não partisse contra eles uma expedição, vinda de Recife, Porto Calvo, Penedo ou de Alagoas. Em geral, elas eram de iniciativa das autoridades, mas os recursos partiam dos senhores de engenho.


Meados do século XVII, em algum ponto do Quilombo de Palmares, nasceu o ser humano que chamamos Zumbi. No ano de 1655, Brás da Rocha Cardoso, atacou Palmares e carregou, entre presas adultas, um recém-nascido. Entregou-o ao chefe de uma coluna, e este decidiu presenteá-lo ao Cura de Porto Calvo. Padre Melo resolveu chamar o negrinho de Francisco. O menino cresceu junto ao religioso que ensinou-lhe português, latim e religião. Porém, numa noite de 1670, ao completar quinze anos, Francisco fugiu.


Zumbi, como era chamado o jovem Francisco, chega em Palmares, que, naquela época, eram dezenas de povoados, cobrindo mais de seis mil quilômetros quadrados. Ganga Zumba reinava sobre todos eles. Zumbi assume o posto de chefe da aldeia mais próxima de Porto Calvo. Com o transcorrer do tempo e as estratégias criadas por ele para defender o território, logo, o comando geral do exército negro já cabia-lhe, promovido de simples chefe de aldeia, após uma série de derrotas humilhantes de Ganga Zumba diante dos soldados de Fernão Carrilho.

Ganga Zumba, após ser derrotados em vários confrontos resolve ir até Recife para ratificar um acordo de paz com o governo. Zumbi sabendo desse movimento, acompanhado dos chefes descontentes com a administração do Ganga, marchou contra a aldeia de Macaco, a capital de Palmares onde estava o “grande Líder” de Palmares. Este por sua vez fugiu, com mais de trezentos fiéis, para Cacaú, ao Sul de Pernambuco, onde o governo colonial reservara-lhe para viver e cultivar. Entretanto, a paz firmada entre ele e o governador Dom Pedro de Almeida não durou vinte e quatro (24) meses.

Adeptos de Zumbi infiltraram-se em Cacaú e envenenam Ganga Zumba. O governador pernambucano socorreu-o tardiamente, apenas em tempo de executar sumariamente os conspiradores João Mulato, Canhongo e Gaspar. Os sobreviventes da triste experiência da sesseção de Palmares foram reescravizados. Durante uma década e meia seguintes, travou-se a guerra total na Zona da Mata, entre Zumbi e o mundo dos senhores de engenho. Cada golpe provocava o outro, do lado adversário.

Zumbi por sua inteligência a astúcia e muita criatividade, fartou-se de derrotar as tropas colonialistas, regulares ou não. Invadiu São Miguel, Penedo e até Alagoas. Humilhados após tantos resultados negativos, o mundo do açucar resolveu então contratar Domingos Jorge Velho, o caçador de Índios, para lutar contra os quilombos.

7- Sobre a destruição de Palmares


A última década do século XVII foi precária. Com a queda absoluta do preço do açúcar, o ouro da colônia desapareceu quase que completamente, e a inflação explodiu. A seca e a fome, que já penalizavam o sertão, invadiram as cidades. As pessoas mais simples, os desafortunados viviam imprensados entre a grande fazenda e o governo (únicas fontes de trabalho), ficaram a pão e água para sobreviver. A raiva e o desespero tomaram conta das ruas de recife.

O governo colonial, preparando-se para uma cruzada definitiva contra o Estado Quilombola, explorou então a frustração e a inveja da plebe urbana maltrapilha e faminta. Fez promessas vantajosas a quem participasse da expedição contra os quilombos; esvaziou presídios, indultando os fora-da-lei;convocou militares vadios da Bahia, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. A todos, a propaganda de guerra fez crer que a origem dos males brasileiros era a pátria dos negros.


Em janeiro do ano de 1694, uma tropa de aproximadamente nove mil homens se pôs lentamente em marcha, sob o comando de Domingos Jorge Velho, em direção à Serra da Barriga. Somente na “Guerra da Independência”, 130 anos mais tarde, é que encontramos um exército maior.


Inúmeras tentativas foram realizadas pelos invasores para destruir a fortaleza de Palmares, todas elas fracassaram, até que, na madrugada de 06 de fevereiro desse ano, conseguiram finalmente romper a paliçada a golpes de canhão e penetrarem no reduto dos palmarinos. Em sua fúria, a multidão de índios, mamelucos e soldados não deixou nada de pé inteiro.

Na beira do abismo, do lado ocidental da fortificação, restou uma passagem que o inimigo não teve tempo de fechar. Por ali saiu um grupo grande de guerreiros, dispostos a recomeçarem a guerra depois, quando ocorresse a recomposição. Quando passaram os últimos, rolaram pedras, e os mamelucos abriram fogo sobre eles. Na confusão da ação, aproximadamente duzentos guerreiros de Zumbi caíram no abismo.


8- Sobre o mito de Zumbi


Por muito tempo acreditou-se que ele, num impressionante gesto de orgulho, precipitara-se do alto da serra. Até recentemente, essa era a lenda que estava sendo contada. Diante desses fatos, nos perguntamos: Por que acreditou-se tanto tempo nesse episódio? Podemos relatar que um coisa em tudo isso é certa “a legenda de um herói étnico que prefere a morte ao cativeiro fascina nossas mentes, nos dá asas para a imaginação”.


No episódio da saída as pressas pelo caminho do abismo, Zumbi foi um dos últimos a sair, postado na retaguarda da coluna de guerrilheiros que deixou Palmares na madrugada de 06 de fevereiro de 1694. Apesar de tudo, escapou com vida. Depois dividiu seus homens, aproximadamente mil. em bando, e voltou à guerrilha.

Zumbi é morto em uma emboscada. O chefe de um dos seu bandos, Antônio Soares, fora emboscado e preso, passando a cooperar com as forças coloniais em troca da vida e liberdade.

A confiança que líder negro depositava em Soares era grande. No entanto, este meteu-lhe uma faca no abdomem quando Zumbi preparava-se para abraçá-lo. Os olhos do guerreiro devem ter brilhado, então, de estupor e desalento. Seis guerrilheiros estavam com ele naquele momento, cinco dos quais foram mortos imediatamente pela fuzilaria que irrompeu dos matos em volta. Ainda que sozinho, ferido de morte, matou um e feriu vários.

Esse episódio ocorreu nas brenhas da serra Dois Irmãos, por volta de cinco horas da manhã de 20 de novembro de 1695.

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