sexta-feira, 13 de junho de 2008

14- SOBRE PERSEGUIÇÕES E RENOVAÇÃO.

Apesar da Abolição da Escravatura em 1888, os capoeiristas não deixavam de ser perseguidos. Na Bahia a capoeira passou a sua fase de maior repressão no período de 1920 à 1927, durante a administração do delegado de polícia Pedro de Azevedo Gordilho (Pedrito), que tornou-se famoso pela perseguição aos capoeiristas e dos candomblés. Os praticantes da capoeira utilizando de criatividade criaram um toque no berimbau chamado de Cavalaria que, ao simular o tropel de cavalos, denunciava a aproximação do conhecido Esquadrão de Cavalaria da Polícia. A memória dessa perseguição está presente ainda hoje na seguinte quadra, coletada por Waldeloir Rego:


“Toca o Pandeiro,
Sacuda o caxixi,
Anda depressa,
Qui Pedrito Evém aí”.



Foi a partir de então, que Mestre Bimba, distinto capoeirista das primeiras décadas do século XX, considerando-a como luta contra seus opressores e acreditando na possibilidade de torná-la mais eficiente e respeitada, passou a estudá-la, aperfeiçoando seus golpes, movimentos e posturas, dando-lhe uma característica totalmente marcial. Denominou seu novo estilo de Luta Regional Baiana. Após essa inovação, a Capoeira recuperou seu poder de luta, voltando a ser temida e respeitada, não apenas pelos seus adversários, como também pelos capoeiristas do antigo estilo (Angola).


Em Salvador a Capoeira ainda enfrentava acirrada perseguição, conforme contava o Próprio Bimba. “Naquele tempo, capoeira era coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado. Imagine só, que um dos castigos que davam ao capoeirista que fossem presos brigando, era amarrar um dos punhos no rabo de um cavalo e o outro em cavalo paralelo, Os dois cavalos eram soltos e posto a correr em disparada até o quartel. Comentavam até por brincadeira, que era melhor brigar perto do quartel, pois houve muitos casos de morte. O indivíduo não aguentava ser arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o quartel de polícia”.


Nesse período ocorreu um grande salto na História da Capoeira. Insatisfeito com o preconceito e a marginalização que a envolvia, Mestre Bimba decidiu, em função de suas pesquisas, criar uma variação da capoeira.


A preocupação com a eficiência combativa da nossa arte/luta, segundo ele, vinha sendo dissipada e perdida pela ação do turismo. Os capoeiristas envolviam-se muito naquela época com apresentações para turistas, e a capoeira foi se transformando num show de acrobacias e mandingagens, afastando-se do seu sentido original.


O Mestre Bimba preservando a movimentação original e os antigos rituais, introduziu modificações baseadas em golpes de jiu-jitsu, da luta greco-romana, do box e principalmente do batuque, uma luta de origem africana muito praticada na Bahia.


O tenente Esdras Magalhães dos Santos, conhecido no meio capoeirista como Mestre Damião, um dos famosos discípulos de Bimba e precursor da Capoeira paulista fêz o seguinte comentário sobre a criação de seu Mestre.
“Na criação da Luta Regional houve a colaboração de Cisnando Lima, cearense 'arretado' profundo conhecedor de jiu-jistu, box, luta grego-romana... Cisnando transmitiu a Bimba os seus conhecimentos, aos quais ele associou golpes de batuque para a elaboração da nova modalidade esportiva.


Ainda sobre a criação da Luta Regional, Mestre Decânio, o aluno mais idoso de Mestre Bimba que ainda vive, acentua, no entanto, que apesar de Cisnando apresentar os golpes e contragolpes daquelas lutas, a decisão final da conveniência ou não da inclusão dos mesmo na Luta Regional Baiana sempre foi do mestre”.


A inovações de Mestre Bimba, ainda que tenham atingidos os objetivos a que se propunham, ou seja, conferir maior eficiência combativa à nossa luta, e promover seu reconhecimento social, geram grande polêmica no seio da comunidade capoeirística; muitos encararam-nas injustamente como uma descaracterização das tradições da capoeira. O debate perdura até hoje, em pleno século XXI, exibindo posições variadas.


A tensões geradas nas tendências da capoeira é salutar. Precisamos sim preservar as tradições, sem no entanto, ficar-se alheio às inovações que representem evolução.

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